Em 05/08/2020 às 15h14
Marcelo Santoro Drummond
Vivemos momentos peculiares e angustiantes em nossas vidas, que afetam todos os aspectos do cotidiano do homem, que ao longo dos tempos, experimenta mudanças abruptas em seu modo regular de vida e de relacionamento com o seu semelhante.
Eventos na história da humanidade muitas vezes impõem às sociedades novos aspectos em seu desenvolvimento, muitos deles já conhecidos e até previsíveis, mas que, com o advento de determinado fato gerador, como por exemplo, a pandemia da Covid-19, pela qual passamos, aceleram a inserção do homem em determinados mecanismos e amadurecem repentinamente sua utilização.
O teletrabalho, também conhecido como o labor remoto, ou seja, aquele realizado fora das dependências físicas do empregador e, obrigatoriamente, por meio da utilização de meios tecnológicos como computadores, telefones celulares e que se exemplifica pelo trabalho executado em home office (na própria residência do empregado), já existia em um passado recente. Também não é novidade a existência de legislação dispondo acerca do tema.
A Lei 13.467/2017, também conhecida como reforma trabalhista, inseriu na CLT novos preceitos que tratam exatamente do teletrabalho, quais sejam, os artigos 75-A a 75-E, da CLT.
Todavia, tais disposições legais não esgotam todas as questões inerentes ao teletrabalho, mesmo porque, ainda que crescente tal modalidade de labor, não se poderia imaginar que, pouco tempo após o advento da referida norma, ela seria utilizada de forma abundante, em virtude do momento de pandemia vivido, que acelerou a opção por tal meio de trabalho, ante a necessidade do isolamento social.
O amadurecimento prático que deveria durar alguns anos, em pouco tempo aflorou na utilização de tal mecanismo de trabalho, gerando novos efeitos e questionamentos inerentes aos contratos de emprego.
Uma das questões peculiares relativas ao teletrabalho diz respeito ao denominado meio ambiente de trabalho físico e aspectos a ele inerentes. A responsabilidade decorrente de eventual acidente de trabalho, derivado das condições laborais inerentes, por exemplo, à própria residência do trabalhador, poderia ser atribuída ao empregador, na medida em que tais condições de trabalho foram, em grande parte ou mesmo em sua totalidade, disponibilizadas pelo próprio empregado?
Não há na lei resposta direta e objetiva quanto a tal questionamento, carecendo a norma específica de ajustes e amadurecimento, impensado em um contexto normal e, necessário em face dos momentos de pandemia e pós-pandemia.
Versa o artigo 75-E da CLT que "o empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho", devendo o trabalhador assinar termo de responsabilidade firmando compromisso de observar referidas instruções. Além disso, o artigo 75-D diz que "as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito".
Não obstante referida previsão legal, que poderia levar a crer na ausência de responsabilidade do empregador, caso referidas responsabilidades restem contratualmente transferidas ao trabalhador, não se pode esquecer da existência de inúmeros preceitos de ordem protetiva ao obreiro.
Vale lembrar a incidência, nos contratos de trabalho, do Princípio da Alteridade, que reza acerca da assunção pelo empregador dos riscos inerentes à sua atividade econômica, a partir do disposto no caput do artigo 2º, da CLT.
A Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 7º, inciso XXII, como direito fundamental do trabalhador, a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança".
Sendo assim, ainda que careça a legislação de maiores contornos específicos, especialmente com o escopo de conferir segurança jurídica à matéria em questão, evitando diversas interpretações, há que se presumir, de modo geral, a responsabilidade do empregador por acidente de trabalho havido em situações como home office, decorrentes de teletrabalho, excluindo-se hipóteses claras de culpa do empregado.