Em 10/06/2020 às 13h13
Camila Martins de Oliveira*
Óleo consagrado, água encantada, vitaminas extraordinárias, feijão mágico, curas milagrosas sem nenhum tipo de comprovação científica anunciadas nas redes sociais, cultos, sites, vídeos, como meios secretos e, até em alguns casos infalíveis, de cura ou prevenção em relação ao novo coronavírus. Esse é o atual cenário que pode ser visto durante a pandemia da Covid-19.
Valer-se da angústia humana diante das incertezas de cura é a atividade típica desempenhada pelo charlatão, termo de vasta utilização no vocabulário nacional, mas que merece neste texto melhores considerações técnicas.
O charlatanismo é considerado crime no Brasil previsto no artigo 283 do Código Penal e pode ser considerado prática altamente nociva a toda saúde pública, especialmente, para a vítima que acredita no poder da cura das substâncias oferecidas pelo criminoso, que no caso é o charlatão. Este é aquela pessoa capaz de indicar, recomendar, revelar, citar, aconselhar, publicar, noticiar, divulgar dentre outros verbos similares a cura em relação a alguma doença por meio secreto ou infalível. Meio secreto é aquele considerado oculto ou até mesmo ignorado pelas outras pessoas, inclusive pela comunidade médica. Já por meio infalível entende-se aquele meio em que não há possibilidade de falha, ou seja, há certeza do resultado positivo.
O crime em tela se consuma quando há o anúncio ou a efetivação de um dos verbos já citados, pouco importando se o charlatão conseguiu ou não convencer alguém da falsa cura.
O crime de charlatanismo, a princípio, parece muito similar ao famoso crime de estelionato previsto no artigo 171 do Código Penal, uma vez que em ambos há o elemento fraude como meio, mas há que se diferenciar os dois delitos. Enquanto no crime de charlatanismo não há objetivo de vantagem econômica, no estelionato a vantagem ilícita é elementar à configuração do crime. Por tal motivo, a pena deste é de um a cinco anos de reclusão, enquanto a pena do charlatanismo é de um a três meses de detenção, isto é, significativamente inferior.
Na prática é muito mais frequente vivenciarmos situações que possam ser inseridas no crime de estelionato, mesmo que relacionadas a curas de doenças, que no crime de charlatanismo, justamente pelo fim almejado pelo agente criminoso que na maior parte das vezes envolve vantagem econômica.
Não há que se confundir também os crimes de charlatanismo e curandeirismo, apesar de ambos estarem previstos no Código Penal como crimes que visam a tutela da saúde pública. O curandeiro pratica o crime descrito no artigo 284 do Código Penal que consiste nas condutas de tentar exercer a cura de doenças, sem habilitação legal ou autorização para tal, "prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância; usando gestos, palavras ou qualquer outro meio; fazendo diagnósticos." Neste caso o agente não é médico e mesmo assim prescreve entre outras atividades medicamentos e similares. Já o charlatão utiliza discursos relativos a curas por meios secretos ou infalíveis na prática do crime, podendo até mesmo ser um profissional da medicina. Um exemplo é o médico que anuncia um remédio infalível para a cura do novo coranavírus sem nenhum tipo de comprovação científica da eficácia.
Valer-se da falta de conhecimento das pessoas, da insegurança, do estresse e angústia pelo isolamento social, da boa-fé e da vontade de se curar de doenças em momentos de desespero, angústia, incertezas como a que o mundo vivencia com a pandemia da Covid-19 é atividade desenvolvida por vários charlatões.
É importante esclarecer que conforme a Organização Mundial de Saúde, até o momento, não existem vacinas ou medicamentos antivirais para a Covid-19, portanto, os anúncios de cura que temos visto circulando, principalmente pela internet, podem constituir os crimes de charlatanismo ou até mesmo estelionato a depender do objetivo do sujeito ativo.