Em 04/03/2020 às 16h12
Renato Campos Andrade*
O final do ano de 2019 e início de 2020 foi marcado, especialmente em Minas Gerais, por uma tragédia ligada a uma cervejaria. Pessoas teriam sido intoxicadas e morrido em virtude do consumo de lotes contaminados com substâncias tóxicas.
Trata-se do caso da cervejaria artesanal Baker. As substâncias encontradas em alguns lotes de cerveja seriam o monoetilenoglicol e o dietilenoglicol, que seriam utilizados em sistemas de refrigeração, mas que por alguma razão foram encontradas dentro de algumas garrafas.
Tais substâncias, especialmente o dietilenoglicol podem causar sérios danos e até a morte. Até o momento, noticiou-se sobre a possibilidade de vítimas fatais em razão da intoxicação, o que gerou uma decisão judicial de bloqueio de valores na Backer e em empresas ligadas aos sócios. A empresa Backer negou o emprego das substâncias em sua linha de produção e apresentou uma perícia que não detectou o dietilenoglicol em amostras de água da fábrica.
O Ministério da Agricultura e a Polícia Civil abriram investigações e já se versou quanto à possibilidade de sabotagem por um ex-empregado e que a substância estaria na água da cerveja. O noticiário passou a aventar sobre o ocorrido, se tratou de sabotagem, erro ou outra possibilidade, como fato de fornecedores da Backer. Até o momento, não existe conclusão sobre o ocorrido.
Diante da ausência de certezas sobre o caso, essa matéria tratará das consequências jurídicas em tese advindas de erros de empresas que comercializam produtos consumíveis. O caso Backer foi escolhido por estar na mídia e em virtude de ter gerado grande repercussão, com possíveis danos sérios, como falecimento de pessoas. Em tese, é possível a responsabilização nos campos civil, administrativo e penal.
No que se refere à responsabilidade administrativa, o Ministério da Agricultura e a Anvisa tomaram medidas preventivas, como fechamento da fábrica e proibição de comercialização. A empresa Backer acatou as decisões e ainda recebeu de volta os lotes contaminados.
O doutor Rangel Gonçalves Miniello, em seu artigo intitulado A responsabilidade administrativa da fabricante esclarece pela necessidade de respeito ao devido processo legal, com contraditório e ampla defesa, mas que é possível tomar medidas em razão do poder de cautela, como "tendo a saúde pública em risco, seja culposamente ou dolosamente, necessário ao Estado controlar a situação de risco, suspendendo a operação de produção e recolhendo todas os lotes da cerveja contaminada disponíveis no comércio, para que o status de normalidade seja restaurado".
Vários pontos deverão ser ainda investigados, como grau de culpabilidade e nexo causal, mas apenas após as apurações, mas "ainda é cedo para se confirmar o seu qual o grau de culpabilidade bem como as suas penalidades, uma vez que que até o momento é sabido que ocorreu uma contaminação de produto levado ao consumidor"
A responsabilidade administrativa pode ensejar ainda o fechamento definitivo e aplicação de multas.
No que se refere ao campo civil, objeto do bloqueio judicial de valores citado no início desta matéria, cumpre a leitura do artigo Relação entre consumidor e fornecedor foi violada da doutora Bárbara Barbosa Rodrigues Fradico.
"Haveria vício do produto para aqueles que adquiriram as garrafas dos lotes contaminados, porque o produto não atende às expectativas que dele se espera, estando inadequado ao consumo. Nesse caso, o consumidor pode se ver ressarcido de seus prejuízos econômicos, tendo três opções: substituição do produto por outro igual ou semelhante; restituição imediata da quantia paga; ou abatimento proporcional do preço. Aqui o consumidor possui 30 dias, contados da entrega do produto, para reclamar."
A expert aborda ainda a questão sob a ótica acidental e de sabotagem. De se dizer que a reparação do dano enseja ainda compensação por danos materiais e morais (inclusive pelas famílias das vítimas).
Por fim, mas não menos importante, cabe a análise sob o ângulo do código civil, o que aborda no artigo Investigação determinará responsável penal. A doutora Letícia Barreto Coelho analisa a questão, lembrando que se trata de estudo acadêmico e não fático pela ausência de informações conclusivas até o momento.
A articulista analisa penalmente a questão sob o ângulo da sabotagem e de eventual conduta culposa da cervejaria, o que poderia resultar no crime contido no artigo 272 do Código Penal:
Art. 272 - Corromper, adulterar, falsificar ou alterar substância ou produto alimentício destinado a consumo, tornando-o nociva à saúde ou reduzindo-lhe o valor nutritivo: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
§ 1º-A - Incorre nas penas deste artigo quem fabrica, vende, expõe à venda, importa, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo a substância alimentícia ou o produto falsificado, corrompido ou adulterado. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
§ 1º - Está sujeito às mesmas penas quem pratica as ações previstas neste artigo em relação a bebidas, com ou sem teor alcoólico.
Por tudo aqui posto fica claro que eventual responsabilidade precisa ser apurada em procedimento próprio, com direito a defesa e averiguação de provas.
De toda sorte, qualquer empresa que coloque produtos dentro do comércio deve velar pela segurança dos consumidores, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e penal.
Após o desenrolar das investigações e após a apuração final valerá uma nova coluna com análise concreta do caso Backer, mas o direito aqui discutido serve de parâmetro para eventuais responsabilidades.