Em 20/01/2020 às 14h21
A entrada em vigor, em 17 de janeiro de 1920, da 18ª emenda à Constituição dos Estados Unidos, mergulhou o país por mais de uma década na Lei Seca, famosa por seus contrabandistas, mafiosos e bares escondidos.
Um século depois, o país ainda não fechou completamente esse capítulo marcante de sua história.
Na época, duas grandes corujas enfeitavam o luxuoso bar do hotel Belvedere em Baltimore. Sem que ninguém dissesse nada, os fregueses do hotel observavam de perto o par de aves.
Se as corujas piscassem, a festa podia começar: era um sinal de que o bar tinha acabado de receber um novo lote de bebida ilegal, não havia policiais por perto e os clientes sedentos poderiam beber.
A Lei Seca (que em inglês era chamada de Proibição) gerou um enorme volume de histórias e locais como este. Idealizada por Hollywood - em filmes como Os intocáveis, Estrada para perdição e outros de gângster - e na literatura, ela marcou profundamente a mentalidade dos americanos.
Hoje, algumas cidades dos Estados Unidos veem um ressurgimento de festas temáticas dos Loucos anos 20, ou de bares inspirados nos chamados "speakeasies", estabelecimentos clandestinos onde outrora os clientes podiam beber aguardentes e cervejas de contrabando longe dos olhos da lei.
Experimento nobre
"Há uma nostalgia dos anos 1920, por sua mitologia", confirma o historiador Michael Walsh, sentado no Owl Bar do hotel Belvedere, que ainda exibe uma das famosas corujas.
A Lei Seca foi, segundo Walsh, fruto de uma convergência de lutas que atingiam - para além do alcoolismo endêmico da época - todos os aspectos da sociedade americana: "religião, política, gênero, etnia, raça", afirmou.
"Diante do número considerável de violência conjugal, as mulheres formaram movimentos, entre eles a União Cristã de Mulheres da Abstinência, que lideraram esta luta contra o consumo de álcool", explicou.
O "nobre experimento", como o presidente Herbert Hoover o definiu, teve fim em 1933, quando Franklin D. Roosevelt chegou ao poder em um país fortemente abalado pela Grande Depressão.
A proibição da produção, da venda e do transporte de álcool criou um mercado negro explorado pelo crime organizado, que se expandiu por todo o país, criando figuras míticas como Al Capone.
A 18ª Emenda à Constituição americana é a única da história do país a ter sido abolida.
Mas, para Walsh, que escreveu um livro sobre o tema, a Proibição não foi de todo ruim.
"É mais ambíguo do que dizer que tudo é preto no branco", opinou, apontando para uma redução das taxas de divórcios, de casos de cirrose e de admissões em hospitais psiquiátricos.
Phil Collins, presidente!
A regulamentação do álcool acabou se tornando responsabilidade dos estados, que, em muitos casos, repassaram o estabelecimento de regras às prefeituras. O resultado foi um emaranhado de leis que variam, em alguns casos, de condado para condado.
Atualmente, existem centenas de "condados secos" e "cidades secas" nos Estados Unidos, principalmente nos estados religiosos do "Cinturão da Bíblia" como Kentucky e Arkansas. Neles, a venda de álcool é restrita ou proibida.
Esse é o caso inclusive do condado de Moore County, Tennessee, onde fica a destilaria de uísque Jack Daniels.
Outro resquício dessa era que é menos conhecido é o Partido Proibicionista.
Fundado em 1869, o terceiro partido político mais antigo do país, que tem um camelo como mascote, apresentará, como faz a cada quatro anos, um candidato às eleições presidenciais de novembro.
"Após a abolição da Proibição, muitas pessoas ainda compactuavam com os princípios do partido de lembrar as pessoas dos efeitos prejudiciais que o álcool pode ter em termos de doenças ou acidentes de trânsito", disse o candidato presidencial do partido, Phil Collins.
Collins espera obter um resultado melhor que os 5.000 votos que seu antecessor recebeu em 2016 - muito longe do vencedor do pleito, Donald Trump.
O atual presidente, que perdeu o irmão mais velho, Fred, em decorrência do alcoolismo, afirma não beber, mas - ainda - não prometeu restabelecer a Lei Seca nos Estados Unidos.