Em 06/09/2019 às 13h27
Desde julho de 2010, a Emenda Constitucional 66 estabeleceu que é possível dissolver o casamento por meio do divórcio direto. Até então, para que fosse um casal pudesse se divorciar, era preciso que houvesse prévia separação judicial por mais de um ano ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. No entanto, o status jurídico da separação judicial após a mudança constitucional será decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros vão analisar o Recurso Extraordinário (RE) 1167478, no qual um cônjuge alega que o artigo 226, parágrafo 6º, da Constituição apenas tratou do divórcio, mas seu exercício foi regulamentado pelo Código Civil, que prevê a separação judicial prévia.
No recurso, ele argumenta que seria equivocado o fundamento de que o artigo 226 tem aplicabilidade imediata, com a desnecessária edição ou observância de qualquer outra norma infraconstitucional. Em contrarrazões, a outra parte defende a inexigibilidade da separação judicial após a alteração constitucional. Portanto, seguindo seu entendimento, não haveria qualquer nulidade na sentença que declarou o divórcio. Isso significa que a Corte resolverá se a separação judicial é requisito para o divórcio e se ela se mantém como instituto autônomo no ordenamento jurídico brasileiro.
Repercussão geral
A existência de repercussão geral foi reconhecida pelo relator da matéria, ministro Luiz Fux, por considerar que a discussão transcende os limites subjetivos da causa e afeta diversos casos semelhantes. Segundo ele, a alteração constitucional deu origem a várias interpretações na doutrina e a posicionamentos conflitantes no Poder Judiciário sobre a manutenção da separação judicial no ordenamento jurídico e a exigência de observar prazo para o divórcio.
Na opinião da advogada e professora da Dom Helder Escola de Direito, Maria Flávia Cardoso Máximo, a Emenda Constitucional 66 eliminou a necessidade de separação judicial, que antes era requisito para ingressar com pedido de declaração de divórcio.
"Hoje o casal quiser romper definitivamente o vínculo conjugal pode fazer o pedido em cartório (se houver consenso e não houver filhos menores ou incapazes) ou pela via judicial (se houver filhos menores ou incapazes, ou se houver discordância)."
Jurisprudência
Ela explica que, apesar da Emenda 66/2010 não dizer, expressamente, que a separação judicial estava revogada, muitos estudiosos do Direito afirmam categoricamente que não existe mais separação no Brasil. Entre eles está o presidente do Instituo Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), Rodrigo da Cunha Pereira, conforme o qual "pela própria interpretação sistemática, histórica e teleológica ab-rogou, tacitamente, o inútil instituto da separação judicial".
Para Maria Flávia, para que haja a possibilidade de ingressar com ação de divórcio, basta o fim do interesse de uma das partes em manter o casamento. "O laço afetivo de respeito por tudo que viveram juntos no passado pode, por filhos ou outras razões, continuar. Apenas para fins de esclarecimento, não se deve confundir o fim da conjugalidade, com a parentalidade", ressalta.
Impactos
Ela observa que os impactos dessa mudança estão de acordo com o entendimento de que o Estado não deve interferir em relacionamentos de afeto. "A menos que seja em caso de violência doméstica ou qualquer outro fator que afete a dignidade da pessoa humana e os direitos humanos."
Além disso, da forma como o divórcio ocorria anteriormente, algumas pessoas acabavam permanecendo ao lado da outra até mesmo por terem vergonha de motivar a separação. Adultério; tentativa de morte; sevícia ou injúria grave; abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; condenação por crime infamante; e conduta desonrosa. "São questões pessoais. E é justamente isso que hoje se evita. Se uma pessoa deseja ou não manter a conjugalidade, quem somos nós ou o Estado para julgar a motivação de sua vontade?", destaca. Para a advogada, houve ainda uma simplificação do processo de divórcio.
Equívoco?
Maria Flávia pontua que, no Direito das Famílias, "cada caso é um caso", mas, a princípio, o entendimento que deve prevalecer no STF é a dispensa da separação judicial para que seja decretado o divórcio. Sobre o argumento de que é equivocado o fundamento de que o artigo 226 da Carta Magna tenha aplicabilidade imediata, ela lembra que o uruguaio Eduardo Couture (1904-1956) escreveu Os mandamentos do advogado.
Ao todo são 10 e o sexto é "Tolera: Tolera a verdade alheia na mesma medida em que queres que seja tolerada a tua." Dessa forma, ela diz que "respeita e tolera" o argumento apresentado no recurso extraordinário. Entretanto, se posiciona a favor da inexigibilidade da separação judicial para a decretação do divórcio após a alteração constitucional. "Assim, não haveria qualquer nulidade na sentença que declarou o divórcio, pois, pensar o contrário, seria retroceder a todo avanço e independência alcançados pelo instituto do fim da conjugalidade. Instituto esse, por si só, de tristeza, dor e sofrimento, ainda que consensual."