Em 14/06/2019 às 14h50

A nova lei de drogas

Ocorre que a nova lei não alterou nenhuma linha relativa a tais crimes.

Por Michel Reiss*

A inovação legislativa que tem sido mais comentada nos últimos tempos é a chamada Nova de Lei Drogas. Considerando que grande parte da população carcerária brasileira é de condenados por crimes envolvendo drogas, notadamente o tráfico, são necessárias algumas considerações.

O que se chama de Nova de Lei de Drogas é a Lei 13.840, de 5 de junho de 2019, publicada em 6 de junho e sem previsão de vacatio legis – portanto, já em vigor.

Na verdade, não se mostra adequado chamar tal diploma de Nova Lei de Drogas. Isso porque nossa lei de drogas é a 11.343/2006, que continua em vigor, não tendo sido revogada pela lei de 2019. Ocorreu o seguinte: a recente Lei 13840/2019 alterou e acrescentou uma série de normas na Lei 11.343/2006, modificações essas bastante impactantes. Vejamos alguns pontos de destaque.

O primeiro aspecto a ser considerado, em matéria penal, é o seguinte: os principais artigos da Lei 11.343/2006 são o 28 e o 33, que criminalizam, respectivamente, os crimes de posse de droga para consumo pessoal e o tráfico. 

Ocorre que a nova lei não alterou nenhuma linha relativa a tais crimes. E não é só isso: não houve variante em nenhuma norma do capítulo II do título iV, que tipifica os crimes de drogas, e do capítulo III, que trata do procedimento penal. Há uma única e pequenina exceção do ponto de vista processual: foi alterado o artigo (art.) 50-A, que trata da destruição das drogas apreendidas.

Conclui-se que a Lei 11.343/2006 não pode ser chamada de "lei penal" ou de "lei processual penal" – mesmo com a pequena exceção acima mencionada. Ela trata de outras questões, de suma relevância, que serão abaixo apresentadas. O que não pode se admitir é a fala que existiria uma nova lei penal de drogas.

O primeiro aspecto da Lei 13.840/2019 envolve o Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas e também o Plano Nacional de Políticas Sobre Drogas, previstos respectivamente nos arts. 8-A e 8-D da Lei 11.343/2006 (artigos esses acrescentados pela nova lei).

Mas o ponto mais polêmico da lei está no capítulo II do título III, intitulado "Das atividades de prevenção, tratamento, acolhimento e de reinserção social e econômica de usuários ou dependentes de drogas" (tudo acrescentado pela nova lei). E nesse capítulo está o art. 23-A, que prevê que o tratamento do usuário ou dependente será realizado ambulatorialmente ou com internação, voluntária ou não.

A internação involuntária está conceituada no § 3º do inciso II do mencionado artigo desta forma: "aquela que se dá, sem o consentimento do dependente, a pedido de familiar ou do responsável legal ou, na absoluta falta deste, de servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sisnad, com exceção de servidores da área de segurança pública, que constate a existência de motivos que justifiquem a medida".

Além disso, o § 5º prevê acerca de tal medida:

"I - deve ser realizada após a formalização da decisão por médico responsável;

II - será indicada depois da avaliação sobre o tipo de droga utilizada, o padrão de uso e na hipótese comprovada da impossibilidade de utilização de outras alternativas terapêuticas previstas na rede de atenção à saúde;

III - perdurará apenas pelo tempo necessário à desintoxicação, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, tendo seu término determinado pelo médico responsável;

IV - a família ou o representante legal poderá, a qualquer tempo, requerer ao médico a interrupção do tratamento".

Também está normatizado o acolhimento do usuário ou dependente em comunidade terapêutica acolhedora, previsto no art. 26-A e completamente distinto da internação, inclusive voluntária. O acolhimento é infinitamente mais brando do que a internação.

Ao final, a lei altera os arts. 60 e segs. da Lei de Drogas, que tratam da apreensão, arrecadação e destinação de bens do acusado, tornando mais rígida a matéria.

Enfim, fica apresentada a Lei 13.840/2019, que, como foi dito, não trata de matéria penal ou processual penal, mas está ligada essencialmente a questões envolvendo políticas públicas para o usuário ou dependente de drogas. Independentemente do mérito de tais políticas, espera-se uma melhora no tratamento de usuários, e que o Supremo Tribunal Federal coloque em pauta, com a maior brevidade, a discussão sobre a constitucionalidade do crime de posse de droga para consumo pessoal. Aí sim teremos uma mudança substancial na situação jurídica do usuário. Mas tal discussão fica para uma outra oportunidade.