Em 12/06/2019 às 15h28
Por Renato Campos Andrade
A modernidade ou, para alguns, pós-modernidade, revela desafios enormes para a sociedade. O futuro continuará a trazer novidades e inventos, que têm chegado cada vez mais rápido. Em um curto espaço de tempo, a tecnociência inova, lançando produtos e serviços que sequer eram imaginados. E esta revolução ocorre rapidamente. Se é difícil para a sociedade acompanhar e se adaptar a essas mudanças, para o Direito é muito pior.
Há algum tempo já se discute a questão dos aplicativos de transporte, como Uber e Cabify, especialmente por "roubarem" postos de trabalho de motoristas de táxi e prestarem serviços que necessitariam de permissão pública. Por enquanto, parece que a jurisprudência caminha no sentido de que a livre iniciativa deve prevalecer e não há que se falar em regulação ou proibição. É o que decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) no mês passado. Na decisão da mais alta corte, "é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e livre concorrência" a proibição ou restrição do transporte feito por motorista cadastrado no aplicativo.
Ato contínuo, outro cenário de litígio surge. Não se tem definida a exata relação jurídica entre o motorista dos aplicativos e as empresas. Seria um contrato de trabalho? Teriam os motoristas direitos mínimos de empregados? Nesse aspecto, parece ainda não haver unanimidade, de maneira que existem decisões que reconhecem o vínculo trabalhista e outras que negam a relação.
As empresas de tecnologia, por sua maneira inovadora de ser, tendem a criar novas relações jurídicas e atingem frontalmente o mercado de trabalho. Para o bem e para o mal. Quanto ao aspecto positivo, viu-se que várias pessoas se inseriram no mercado de trabalho, conseguindo uma remuneração mensal, ainda que precária. Além disso, barateou-se o custo do transporte em veículos de pequeno porte (carros).
Por outro lado, chama a atenção a precarização do trabalho que ocorreria em razão da "uberização". Essa nova tendência é abordada no artigo A ‘uberização’ reduz a dignidade humana dos trabalhadores, pelo graduado em Direito pela Dom Helder Escola de Direito e pós-graduando em Direito Tributário, Rafael Gonçalves de Lima. Ele afirma ser possível identificar os requisitos (habitualidade, onerosidade, pessoalidade e subordinação) para a caracterização do vínculo empregatícios na relação.
"Mesmo para os que insistem em alegar que na ‘uberização’ o motorista é quem define sua jornada de trabalho, é possível perceber que o motorista é pressionado pela intermediadora com o propósito de não abandonar o aplicativo. Tanto é que em determinadas situações, se recusar algumas chamadas dos usuários, pode ser penalizado e, até mesmo, suspenso do aplicativo! Com essa justificativa, presente está o requisito da subordinação. Além de atender indiretamente às insistências da intermediadora, ao motorista são impostas regras de conduta, que deverão ser observadas durante a utilização do aplicativo, ligadas às condições do automóvel, vestimenta, cobrança dos valores, atendimento das chamadas, etc. Isso é bem similar ao regulamento interno da empresa, entregue ao empregado recentemente contratado para ler e conhecer as regras a seguir."
Existem decisões nesse sentido e outras que não reconhecem a relação empregatícia, tendo em vista que as empresas apenas conectam quem quer contratar o serviço ao motorista. Fato é que o Direito deverá tratar tal tema e dar uma decisão clara e definitiva sobre essa questão. E isso não ocorre somente no Brasil, mas em todo o mundo. Países como França e Suíça já teriam reconhecido a equiparação do motorista a empregados para fins previdenciários.
Outro tema bastante atual é a locomoção por meio de bicicletas e patinentes fornecidas por grandes empresas de aplicativos. Pode-se andar pela calçada? O uso de capacete é obrigatório? Por enquanto, a regulação efetiva ainda não chegou. E isso se dá em razão da velocidade das mudanças. No artigo Patinetes e sua regulamentação, o advogado, especialista em Regulação, Direito Público e Gestão de Negócios, Francisco Eustáquio Silva Fonseca, trata dos conflitos com os patinetes, especialmente em razão da regulação provisória feita pela cidade de São Paulo.
Conforme ele, o decreto paulistano, "pioneiro na tentativa de regulamentar a questão", não foi precedido de uma audiência pública "que, nessas ocasiões, pode ser crucial para dar maior legitimidade a qualquer decisão sobre o assunto". Além disso, por que o Poder Público não pensa em uma tributação justa e estabelece incentivos para as empresas que contratarem funcionários para cuidar e recolher patinentes? Por que não estabelecer um pacto com essas empresas para que elas criem postos de trabalho? Essas ideias certamente devem ser analisadas política e juridicamente, mas não podem deixar de ser debatidas.
Outra discussão que se aproxima é quanto aos veículos autônomos. Dentro de alguns anos haverá nas ruas veículos que se locomovem sem motoristas. Isso afetará o mercado de trabalho, com possíveis demissões e extinções de postos de trabalho, bem como demandará uma regulação.
Afinal, caso um carro autônomo inventado nos Estados Unidos, montando na China, vendido no Brasil e operado por uma empresa sul coreana causar um acidente fatal, quem será o responsável? Qual será a tributação dessas empresas? Quem irá autorizar sua instalação e operação?
Quanto a essas especulações, vale a leitura do artigo Regulamentação de veículos autônomos, do advogado, pós-graduado em Direito Tributário e pós-graduando em Direito do Trabalho, Daniel Tinoco Ferreira, que retrata as espécies de automação e as confronta com as regras de trânsito.
"Poderia-se impor aos fabricantes que os sistemas operacionais dos veículos autônomos devam, obrigatoriamente, serem programados para atuarem observando toda a legislação de trânsito em vigência no país. Com isso, nosso problema regulamentar acaba se reduzindo à responsabilização sobre infrações à legislação e à reparação por ocorrência de danos".