Em 10/05/2019 às 16h22

Reforma trabalhista completa um ano e meio de vigência com destruição de direitos sociais

Por Daniela Galvão
Repórter Dom Total

A reforma trabalhista que alterou mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e de outras leis, como a lei do trabalho temporário, completa um ano e meio de vigência em 11 de maio de 2019. Apesar de ter trazido alguns pontos positivos, principalmente no aspecto processual, boa parte das mudanças são tidas por advogados que atuam na área como prejudiciais ao trabalhador, por retirarem direitos. Diversas alterações têm sua constitucionalidade questionada perante o Supremo Tribunal Federal (STF).

    Para a advogada, professora de Direito do Trabalho da Dom Helder Escola de Direito e doutoranda em Direito do Trabalho, Thaís Cláudia D’Afonseca, a reforma trabalhista é, "sem dúvida", um grande retrocesso para o direito do trabalho e para a sociedade brasileira, porque teve como objetivo diminuir direitos para favorecer o mercado. "O mercado e a economia se sobrepõem ao ser humano. O trabalho, enquanto direito social, passa a ser um custo nessa lógica. E temos aí, com a reforma da Previdência, outra possibilidade bem forte de destruição dos direitos sociais."

    Os reflexos das alterações trabalhistas são extremamente diversos, dependendo da categoria. De acordo com o advogado, professor de Direito do Trabalho e Prática Simulada em Direito do Trabalho na Dom Helder, mestre em Direito Ambiental pela mesma instituição de ensino superior, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Thiago Loures Machado Moura Monteiro, um exemplo disso é o de um porteiro que trabalha no regime 12 x 36 horas. Isso porque, antes da reforma, quando ele trabalhava em um feriado, recebia o pagamento daquele dia em dobro, o que não ocorre mais.

    "Esse porteiro sentiu-se extremamente impactado quando recebeu um contracheque e viu que não tinha mais pagamento em dobro no feriado. É um exemplo clássico da supressão de um direito através da reforma. Além das revogações de alguns direitos, houve algumas regras permissivas, como a que trata do fracionamento de férias. Não era permitido, em nenhuma situação, fracionar as férias de um menor de idade. E este, agora, tem as férias divididas em até três períodos, desde que tenha concordância das partes."

    Na opinião de Loures, foram representativas as mudanças que retiraram direitos trabalhistas. Um outro exemplo de direito suprimido foi o intervalo de 15 minutos que as mulheres faziam antes de começar a fazer horas extras. "O artigo 611-A da CLT prevê que o que for tratado pelos sindicatos tem força acima da lei e permite que essas negociações coletivas, assinadas pelos sindicatos, reduzam de uma hora para 30 minutos o horário de almoço de quem trabalha mais de seis horas. Isso também é um prejuízo ao trabalhador, que terá menos tempo para saúde, segurança e higiene. Do ponto de vista do direito material em si, vemos mais supressão de direitos que melhorias."

    Pontos positivos

    Entre as modificações benéficas está a que trata da exceção de incompetência territorial. Quando se alega que determinada localidade não é competente para julgar a demanda trabalhista, isso é feito por meio de uma peça processual que se chama exceção de incompetência territorial. O advogado e professor explica que a redação dela era muito simplória, o que gerava discussões e polêmicas. "A reforma trouxe uma redação adequada para a exceção de incompetência territorial no artigo 800, colocando qual seria o prazo, o que deve se alegar na peça, se suspende o processo e o que acontece nos próximos passos."

    O artigo de ônus da prova CLT (818) era outro que deixava a desejar, pois não falava da inversão do ônus da prova, que é um instrumento necessário no dia a dia do processo do trabalho. Por esse motivo, aplicava-se o que prevê o Código de Processo Civil (CPC) no artigo 374 do CPC. Thiago Loures explica que a reforma alterou o artigo 818, dando a ela uma redação semelhante à do CPC, o que é considerado um aprimoramento da legislação.

    Inconstitucionalidades

    Segundo Thaís Cláudia, a reforma trabalhista é marcada por diversos pontos de inconstitucionalidade. Entre eles está a cobrança de custas do beneficiado pela justiça gratuita. "Este é um ponto que atinge diretamente o direito do cidadão que pretende levar suas questões ao Judiciário. Essa mudança é extremamente abusiva e discriminatória." A tarifação da indenização por danos extrapatrimoniais, estabelecida no artigo 223-G da CLT, é outra questão que afronta à Constituição. Ela ressalta que se coloca um parâmetro desigual para as indenizações, que passaram a ser feitas com base no salário do empregado.

    No caso de um grave acidente, como o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, se a ofensa for considerada gravíssima, o valor máximo a ser pago por dano extrapatrimonial será 50 vezes o salário do ofendido. Thiago Loures observa que um estagiário que ganha R$ 1 mil e um médico que recebe R$ 10 mil sofreram o mesmo dano, pelo mesmo fato e, no entanto, a indenização será diferenciada.

    "Um poderá receber R$ 50 mil e o outro terá direito a 10 vezes mais. É como se a moral fosse proporcional ao salário. Isso traz é segurança jurídica para a empresa, que saberá o valor máximo em que poderá ser condenada. Assim, haverá a securitização de danos morais, não apenas para acidente de trabalho, mas para qualquer dano. Imagine: assédio sexual. A empresa tem um gerente que é muito produtivo, mas que tem o hábito de praticar assédio sexual com funcionárias hierarquicamente inferiores. A empresa pode pensar que vale a pena manter esse funcionário, porque fará um seguro para cobrir danos extrapatrimoniais de assédio sexual e saberá o valor máximo que poderia ser dado de condenação. Então, já se pode violar a intimidade, os direitos básicos da dignidade daquele trabalhador, sabendo o máximo que será pago por isso. Aí a empresa faz um seguro, paga menos que o valor a ser indenizado e continua tendo sua exploração econômica sem se preocupar com o meio ambiente do trabalho, com a condição humana do trabalhador. A securitização do dano extrapatrimonial é o pior viés dessa tabela do dano moral", frisa.

    Geração de emprego

    Muito se disse que a reforma trabalhista geraria segurança jurídica e, por consequência, abriria vagas no mercado de trabalho. Contudo, Thaís Cláudia comenta que esse é um argumento retórico. "Não é a flexibilização do direito do trabalho e a desregulamentação de direito que vai gerar postos de emprego. O que cria a possibilidade de postos de trabalho é o crescimento econômico e isso não é gerado pela lei trabalhista, mas por um país que tem uma carga tributária acessível para os empresários. Esse argumento é tão falacioso, que não se concretizou, tanto que estamos hoje com um índice altíssimo de desemprego."

    Jurisprudência

    Em recente participação no Seminário Internacional sobre Grandes Acidentes do Trabalho, realizado na Dom Helder Escola de Direito pelo segundo ano consecutivo, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro João Batista Brito Pereira, afirmou que a Justiça do Trabalho respeita as leis que estão em vigor e que a consolidação das mudanças na jurisprudência não ocorrerá de imediato.

    "Nós, do Judiciário, não podemos negar vigência enquanto elas estiverem em vigor. Reduziu o número de ações trabalhistas novas. Hoje está em torno de uns 30% a menos, em comparação com o período anterior. Mas estamos julgando. E não vai ser em três ou quatro anos que todas as modificações feitas na CLT estarão consolidadas na jurisprudência. O certo é que a Justiça do Trabalho tem toda boa vontade de fazer cumprir as reformas da CLT. Temos a esperança de que toda a sociedade se ajuste a essas novidades", conclui.


    Redação Dom Total